Prémio Noémia Delgado para Mulheres Notáveis no Terror - 1ª Edição no MOTELX 2025
Nesta 19ª edição do MOTELX, apresentamos o recém-estabelecido Prémio Noémia Delgado para Mulheres Notáveis no Terror, um galardão criado para estabelecer merecida homenagem aos grandes vultos criativos femininos do nosso universo, com o nome da criadora mais excelsa, inovadora e destacada do cinema fantástico português - Noémia Delgado (1933–2016).
“Fui sempre muito fascinada por este tipo de histórias (fantásticas), embora não saiba talvez explicar porquê. Ou talvez por que é uma invasão do real pelo imaginário e o imaginário está dentro de nós, no nosso subconsciente, nos nossos temores que um dia despertam e tomam formas monstruosas ou estranhas.” Noémia Delgado (1983)
O terror deixou de ser um território exclusivamente masculino, graças à crescente afirmação de realizadoras
interessadas em explorar o género e as suas ricas
possibilidades metafóricas. Ainda assim, esse caminho
foi tudo menos fácil: até ao início do século XXI, os
filmes de terror assinados por mulheres eram raros e
contavam-se pelos dedos. O Prémio Noémia Delgado,
instituído este ano pelo MOTELX, surge com o objetivo
de recuperar a memória de autoras pioneiras — muitas
vezes esquecidas — e, ao mesmo tempo, celebrar os
novos talentos femininos que estão a redefinir o terror
contemporâneo.
Noémia Delgado (1933–2016) nasceu em Angola, cresceu em Moçambique e viveu em Lisboa, onde, nos anos 1950,
frequentou a Escola Superior de Belas Artes, na área de
escultura. No início da década seguinte, ingressou no
Centro Português de Cinema — sendo a única mulher na
cooperativa — e iniciou carreira na montagem de filmes
de realizadores como Manoel de Oliveira e Paulo Rocha.
Estagiou ainda com Jean Rouch, em Paris.
Estreou-se como realizadora com o documentário “Máscaras” em 1976, em colaboração com o então
marido, o poeta Alexandre O’Neill. A obra centra-se
nos rituais de inverno transmontanos, associados ao
solstício e protagonizados por figuras mascaradas. É
um registo de enorme valor etnográfico e cultural, já
que essas tradições milenares — hoje reconhecidas
pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da
Humanidade — foram filmadas pela primeira vez neste
trabalho, que, no entanto, nunca estreou comercialmente.
Após este filme, apresentou vários projetos ao Instituto
do Cinema e à RTP, mas sem sucesso. Como relatou
em entrevista:
“Bom, eu tive uns projectos recusados na TV e então
lembrei-me de que o fantástico era um género pouco
visto na televisão e propus filmar uma série de contos
fantásticos adaptados da nossa literatura.”
Apesar de diversas dificuldades — como a falta de
financiamento e mudanças internas na RTP —, Noémia
Delgado perseverou. Com um espírito quase exploitation,
optimizou recursos e filmou com rapidez: “O que me vale é eu estar sempre muito consciente de
quanto me custa um dia de filmagens.”
A artista e cineasta adaptou livremente contos fantásticos
de autores como Eça de Queirós, Álvaro do Carvalhal,
Júlio Dinis e Mário de Sá-Carneiro, entre outros. Dessas
adaptações resultaram sete médias-metragens que
compõem o núcleo da sua obra: histórias povoadas
por mortos-vivos, sereias, bruxos, seres macabros
e até o próprio diabo.
Noémia Delgado não apenas
realizou, como também montou e sonorizou estas obras,
assumindo plenamente o seu papel como autora — uma
pioneira do fantástico no cinema português e do cinema
de género feito por mulheres.
“Hoje que estou à parte, percebo que realmente era uma
mulher muito só no meio de tantos homens. Na altura, eu
lutava, esbracejava, mas lutava com eles como igual, não
pensava que era uma mulher a lutar contra os homens.
Nessa altura, não punha o problema desta maneira.
Pensava que tinha os mesmos direitos que eles, mas não
era por causa de ser mulher, era por ser uma profissional.”
Noémia Delgado foi efectivamente uma "Mulher Notável" da cinematografia lusa em geral e voz incontornável do terror e "Cinema Novo Português". Neste nosso universo, o contributo de adaptação de contos fantásticos de grandes autores da nosso "língua pátria" foi absolutamente pioneiro, ainda mais pela coragem e ousadia de assumir a montagem e som dos seus filmes, o que só sublinha a sua dimensão de artista no mais amplo sentido do termo. Noémia é, assim, figura excelsa para representar, em espírito e nome, este prémio de homenagem aos grandes vultos criativos femininos do nosso universo, que se estreia nesta 19ª edição do MOTELX.
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