Hoje é 25 de Abril de 2025: Dia da Liberdade em Portugal.
Mas as lições do séc. XX ensinam-nos que a liberdade celebra-se todos os dias, por isso dizemos "25 de Abril, SEMPRE".
O MOTELX é um festival de cinema, e é da 7ª arte que iremos falar aqui - especificamente de cinema de terror, a nossa praia...
Nos 48 anos de fascismo assassino precedentes à "Revolução dos Cravos", o ambiente de perseguição política e opressão ideológica resultou numa relação fracturada da sociedade portuguesa com o cinema, sendo o género do terror um dos mais prejudicados. Como veremos em seguida, era especialmente incomodativo para o regime salazarista.
Por instinto básico de auto-preservação, a ditadura do Estado-Novo implementou, através de agressivos órgãos de censura como o Secretariado Nacional de Informação (SNI) e o Fundo Nacional de Cinema, um controlo político, religioso, ideológico e moral absoluto. Neste sufoco cultural, só tinham acesso a apoios de produção filmes que obedecessem à condição de «ser representativo do espírito português, quer traduza a psicologia, os costumes, as
tradições, a história a alma coletiva do povo (...)» e, na exibição de filmes estrangeiros, havia auto-censura das próprias distribuidoras de cinema, que receavam ver os seus filmes proibidos, sofrendo assim prejuízo financeiro e subsequente perseguição da sua actividade por parte do SNI. Para além do lápis azul do censor, havia a necessidade de análise prévia, por parte das distribuidoras, que limitava a escolha de filmes que valia a pena “importar”.
Com base numa lista de filmes importados para Portugal no período
entre 1940 e 1970, disponibilizada para consulta ao MOTELX pelo
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, um
total de 4866 obras cinematográficas foi submetido à apreciação do SNI. Destas, 3954 sofreram cortes, 641 foram proibidas de exibição e apenas 271 estrearam sem qualquer alteração. O género de terror, em particular, era fértil em conflito entre os distribuidores e os censores, que se agarravam às "Directrizes para Uso da Censura Cinematográfica" para salvar a alma lusa da sua imoralidade.
Questões religiosas e morais levavam geralmente ao veto dos filmes de terror que, segundo reza a lenda, eram vistos pelos censores na sala Rank do Cinema São Jorge, onde se encerrou o ciclo "
A Bem da Nação: os filmes de terror proibidos pelo Estado Novo” que o MOTELX integrou na passada
18ª edição, em comemoração dos 50 anos do 25 de Abril.Ao longo dessas três décadas, apenas
23 filmes de terror foram apresentados à censura: apenas
um foi exibido na íntegra, sem cortes (ver abaixo) e
16 foram completamente proibidos. Desses 16,
5 foram seleccionados pelos programadores do MOTELX para serem exibidos na secção supracitada: O terror neo-realista de "
Il Demonio", realizado por Brunello Rondi — argumentista de "La Dolce Vita" e "8½"; o único filme de
zombies da Hammer Films, "
The Plague of the Zombies", de John Gilling; a obra-prima obscura do
true crime britânico "
10 Rillington Place", de Richard Fleischer, com Sir Richard Attenborough no papel do
serial killer John Christie; o onirismo erótico e gótico de "
Valerie and Her Week of Wonders", clássico de culto do cineasta checo Jaromil Jireš; e, na (final) Sessão Surpresa do ciclo, "
The Nightcomers", prequela da novela
The Turn of the Screw (1898), de Henry James, realizada por Michael Winner e protagonizada por Marlon Brando.
Revelamos agora, ainda mais "A Bem da Nação", os restantes 11 filmes de terror analisados e expressamente proibidos pelos censores do SNI:1) "
Horrors of the Black Museum / Horrores do Museu Negro" (Arthur Crabtree; 1959)

"Sheer horror for horror's sake ..."
"This infamously lurid horror begins with one of the most memorably vicious shocks of the 1950s fear-era (...) A tawdry catalogue of tortures, purple dialogue and risible acting (wooden Shirley Anne Field), this crudely effective melodrama is a British exploitation classic."
"A crude shocker."
2) "
The hands of Orlac / As mãos de Orlac" (Edmond Gréville, 1960)

"Its most enduring quality is Veidt's tormented performance as Orlac."
"Peter Lorre's auspicious first appearance in a Hollywood-made film."
"A classic psychological thriller which charts one man's slow descent into madness."
3) "
L`amante del vampiro / O vampiro e a bailarina" (Renato Polselli, 1960)

"an important footnote in the history of Italian horror for being among the first films to blatantly mix sex and horror"
4) "
Doctor Blood`s coffin / O Abraço do morto" (Sidney Furie, 1961)

"Young children should not be encouraged to see the picture, in fact, it is likely to cause nightmares among sturdy adults"
"the first glimpse of the modern screen zombie – decayed and violent, rather than simply pale and aloof"
5) "
Lo spettro / O espectro" (Riccardo Freda, 1964)

"Pictorially the film is a knock-out"
"Measured, moody horror, let down by routine plot"
"a splendid exercise in Grand Guignol"
6) "
Dracula, prince of darkness / Drácula, o príncipe da escuridão" (Terence Fisher, 1966)

"should please the following of this type of film and do all right at the wickets. Terence Fisher has directed it with his usual know-how and the screenplay by John Samson is a workmanlike job which provides a useful number of mild thrills and little enough of the misplaced yocks that sometimes creep into this sort of pic."
"perhaps the quintessential Hammer horror"
7) "
I tre volti della paura/ As três faces do medo" (Mário Bava, 1963-1964)

"a good deal more sophisticated than usual horror fare"
"pictorially it's amazing, and even the script and dubbing are way above average."
"composed of three tales of expertly building suspense"
"a little masterpiece"
8) "
La vergine di Norimberga" (Antonio Margheriti, 1963-1966)

"adds up to a highly enjoyable piece of nonsense"
"is worth it, especially if you like cold violence, as Margheriti pushes the limits with his tortures"
9) "
Village of the giants" (Bert Gordon, 1965-1968)

"Alan Caillou's script keeps the action fast and the dancing swinging."
"best things about the film, are special effects and photographic trickery"
10) "
Eye of the devil" (J. Lee Thompson, 1966-1967)

"Sharon Tate makes a significant visual impression"
11) "
Histoires extraordinaires / Histórias extraordinárias" (Federico Fellini, Roger Vadim, Louis Malle, 1968-1975)

"Toby Dammit, the first new Fellini to be seen here since Juliet of the Spirits in 1965, is marvellous: a short movie but a major one."
"Three auteurs descend on the works of Poe, each putting on a ghoulish show -- adapting The Tomahawk Man's tales of dreams and fright, with Fellini's segment particularly out of sight."
Ainda, à laia de bonus, revelamos o
único filme desta lista estreado sem cortes:
"
Dracula has risen from the grave" Freddie Francis, 1969-1970

"succeeds by virtue of Francis' adventurous direction"
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O cinema de terror, incomodativo pela sua natureza irreverente e tendência de choque com o status quo, enfrentou o estigma da avaliação subjectiva e ignorante dos censores, que justificavam as suas reprovações com sentenças lacónicas frequentemente risíveis:"um ataque às instituições religiosas";
"excede em imagens de horror...";
"demonologia, com práticas religiosas";
"sórdido, de violência demoníaca com grandes implicações de ordem social e moral";
" um filme de magia negra";
"aspectos de sexualidade descaradamente aproveitados"...
E o vencedor absoluto:
“Em nome da sanidade mental dos espectadores reprovamos o filme".Entendemos, assim, que a presença do cinema de terror entre nós pode ser tomada como um barómetro de liberdade social. E hoje, no dia em que celebramos a Revolução que permitiu ao MOTELX a sua existência, fiéis a nós mesmos e aos ideais de Abril, recomendamos, a quem for seguidor,
"celebrar a liberdade com cinema de terror".
25 de Abril, SEMPRE!