Hoje é Dia da Terra. Na Terra vivemos e sem ela morremos. Hoje, da Terra, vamos falar...Estamos a 22 de Abril de 2025, e o planeta está em crescente deterioração ecológica, marcada por um aumento de desastres naturais graves. Apenas nos últimos dias, inundações catastróficas na Bolívia causaram mais de 50 mortes e deslocaram mais de 100.000 pessoas, após uma estação chuvosa invulgarmente prolongada. No Brasil, chuvas torrenciais e inundações deslocaram mais de 580 mil pessoas, enquanto ondas de calor mortíferas afectaram a Ásia, o Mediterrâneo e o México. A América do Norte, em plena fase de cegueira ideológica, também enfrentou a fúria de um clima desalinhado, com o incêndio de Palisades, na Califórnia, a tornar-se o terceiro incêndio florestal mais devastador da história do estado em que se alberga a antiga "fábrica de sonhos" Hollywoodesca.
Apesar das evidências claras dos impactos das alterações climáticas, certas figuras e grupos políticos continuam a minimizar ou a negar a crise. As organizações negacionistas do clima dos EUA, revitalizadas pela injecção de esteróides que foi a vitória de Trump, colaboram com políticos de extrema-direita na Europa para obstruir as grandes reformas climáticas. No entanto, existe um consenso global significativo sobre a necessidade de acção.
O cinema de terror desde cedo identificou este feixe de ansiedade existencial, apropriando-se do tema para intervir e sensibilizar pela força motriz do medo. O
eco-horror é um subgénero do terror que foca as consequências aterradoras da degradação ambiental, retratando a natureza como uma força activa e vingativa que reage contra a exploração humana. Estes filmes exploram as ansiedades ecológicas através de narrativas em que o mundo natural contra-ataca — através de criaturas monstruosas, subtis colapsos psicológicos e, frequentemente, através de transformações misteriosas em paisagens familiares. Na sua essência, o
eco-horror reflecte um profundo medo cultural de perder o controlo sobre o ambiente que há muito tomamos como garantido, transformando a natureza, habitualmente passiva, numa personagem central de medo e severa consequência.
As raízes do género remontam à década de 1950, quando os receios do pós-guerra sobre as consequências nucleares e o exagero científico deram origem a filmes onde criaturas mutantes - destaque-se o todo-poderoso "Godzilla" - são metáforas para a arrogância ambiental. Na década de 70, a crescente consciencialização ecológica leva o cinema a abordar o abuso ambiental humano encenando a ira da natureza a abater-se sobre as personagens; e as décadas de 80 e 90 trazem uma mistura de
eco-horror com
sci-fi e terror psicológico. Agora no século XXI temos histórias mais urgentes e especulativas enraizadas nas alterações climáticas, na extinção e no peso emocional de viver (subsistir?) no Antropoceno.
Assinalando este Dia da Terra em jeito de apelo desesperado aos bons instintos desse primata supremamente imperfeito que é o homem, os programadores do MOTELX prepararam uma colecção de 10 filmes de eco-horror capaz de nos dar os pesadelos que a nossa pegada ambiental merece:1) "
Creature From the Black Lagoon" (Jack Arnold; 1954)
Uma estranha criatura pré-histórica esconde-se nas profundezas da selva amazónica. Um grupo de cientistas tenta capturá-la e trazê-la para o "mundo civilizado" para estudo.
"Archetypal '50s monster movie has been copied so often that some of the edge is gone, but ... is still entertaining, with juicy atmosphere and luminous underwater photography sequences."
Leonard Maltin

2) "
Godzilla vs. Hedorah" (Yoshimitsu Banno, Ishirô Honda; 1971)
Uma forma de vida alienígena tóxica e em constante evolução vinda da Nebulosa Gasosa Escura chega para se alimentar da nossa poluição desenfreada, e nem a Humanidade nem Godzilla poderão conseguir detê-la.
"There have been a lot of Godzilla adventures since the original one in 1956 (...) my favorite is “Godzilla vs. Hedorah”"
Roger Ebert

3)
"Phase IV" (Saul Bass, 1974)
De repente, as formigas do deserto formam uma inteligência de grupo e declaram guerra aos humanos. Cabe a dois cientistas e a uma rapariga detê-las.
"good, eerie entertainment, with interludes of such haunted visual intensity that it becomes, at its best, a nightmare incarnate"
Jay Cocks

4) "
Prophecy" (John Frankenheimer; 1979)
Um inspector de saúde do governo é enviado para avaliar os danos que uma empresa madeireira está a causar num pedaço de floresta reivindicado pelos nativos americanos, e depara-se com uma criatura de verdadeiro terror encarnado.
"In an age of self-referential and cynical Scream horror movies and Silence of the Lambs knock offs, Prophecy has a certain something that just can't be denied. Prophecy even contains a MESSAGE (re: don't mess with Mother Nature or you'll be sorry), which is more than I can say for most horror movies produced today. Vastly amusing? You bet your bottom dollar"
Patrick Naugle

5) "
C.H.U.D." (Douglas Cheek, 1984)
Uma série bizarra de desaparecimentos repentinos nas ruas da cidade de Nova York parece apontar para algo desagradável que vive nos esgotos.
"definitely one of b-movies best kept secrets"
Bloody Disgusting

6) "
The Happening" (M. Night Shyamalan; 2008)
As árvores parecem conspirar contra os humanos, e um professor de ciências, a sua esposa e uma jovem lutam para sobreviver a uma praga que faz com que os infectados cometam suicídio.
"I appreciate the quietly realistic way Shyamalan finds to tell a story about the possible death of man"
Roger Ebert

7) "
Mother!" (Darren Aronofsky; 2017)
Pesadelo ecológico surrealizante em que a relação de um casal é testada quando convidados inesperados chegam à sua casa, interrompendo a sua existência tranquila.
"Darren Aronofsky's toweringly outrageous film leaves no gob unsmacked. It is an event-movie detonation, a phantasmagorical horror and black-comic nightmare that jams the narcosis needle right into your abdomen."
Peter Bradshaw,
The Guardian

8) "
Annihilation" (Alex Garland, 2018)
Uma bióloga alista-se para uma expedição secreta e perigosa na qual as leis da natureza não se aplicam.
"Kudos to Garland and the cast, but bravo to Scott Rudin as well. Apparently you knew a masterpiece when you saw it, and you made sure we were able to see it as well."
Richard Roeper,
Chicago Sun Times

9) "
In the Earth" (Ben Wheatley; 2021)
Enquanto o mundo procura uma cura para um vírus desastroso, um cientista e um escuteiro aventuram-se nas profundezas da floresta para uma inspeção de rotina ao equipamento.
"brings us back to Wheatley’s classic world of occult loopy weirdness and cult Britmovie seediness, with a new topical dimension of pandemic paranoia"
Peter Bradshaw, The Guardian

10) "
Gaia" (Jaco Bouwer; 2021)
Um guarda-florestal ferido numa missão de rotina é salvo por um pai e filho que vivem fora da rede. O que inicialmente é um resgate torna-se mais suspeito à medida que os
outsiders revelam uma devoção fanática à floresta.
"has a lot to say about humanity's destruction of the environment … but the film says it with creativity, mad flights of imagination, and even humor"
Sheila O'Malley

Muitos outros filmes poderiam ser aqui referenciados, e esperamos ter muito mais anos para o fazer, mas como este subgénero indica, não temos essa garantia...
Em jeito conclusão, o que torna o
eco-horror especialmente relevante hoje em dia é a sua capacidade de traduzir crises ecológicas complexas em experiências viscerais e emocionais. À medida que as questões ambientais globais se agravam, o
eco-horror canaliza a culpa e o medo da sociedade para alegorias poderosas. Convida os espectadores não só a testemunhar a fúria da natureza, mas a questionar o seu papel nesta cadeia de causa-efeito.
Numa era em que o colapso ecológico do mundo real já não é uma ficção distante, o eco-horror torna-se um espelho cinematográfico da nossa maior ameaça existencial, reflectindo tanto as nossas ansiedades como o apelo urgente à mudança. Por isso convocamos o seu poder e influência neste Dia da Terra 2025.