Esta
quarta-feira, 16 de Julho de 2025, foi dia de sustos no Cinema São Jorge. A
19.ª edição do MOTELX — Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa foi apresentada sublinhando o compromisso com o cinema de terror e solidificando-se com uma programação diversa e vertiginosa que trará à capital
mais de 130 filmes e mais de 80 sessões de cinema durante 7 dias, mais 3 de Warm-Up cujo local e datas serão anunciadas brevemente.
Em 2025, a programação entrega-se com especial foco às temáticas da condição feminina e da representação da mulher no cinema. Desde logo a criação do
Prémio Noémia Delgado para Mulheres Notáveis no Terror que é
atribuído, na sua primeira edição, a Gale Anne Hurd,
produtora estadunidense de clássicos do cinema de género como “Exterminador Implacável”, “Aliens”, “O Abismo”, entre tantos outros, filmes que marcaram inegavelmente a nossa consciência colectiva. É ainda fundadora da Valhalla Entertainment, responsável pelo sucesso de audiências “The Walking Dead” e de todos os seus spinoffs.
Esta distinção surge como com o objectivo de recuperar a memória de autoras pioneiras — muitas vezes esquecidas — e, ao mesmo tempo, celebrar os novos talentos femininos que estão a redefinir o terror contemporâneo.
Noémia Delgado (1933-2016), verdadeira "Mulher Notável" da cinematografia lusa em geral, foi voz incontornável do terror e Cinema Novo Português, iniciando a sua carreira na montagem de filmes de Manoel de Oliveira e Paulo Rocha. Estreou-se na realização, em 1976, com “
Máscaras”, um documentário que se centra nos rituais de inverno transmontanos e que foi feito em colaboração com o então marido, Alexandre O’Neill — nunca estas tradições tinham sido filmadas. Adaptou contos fantásticos de autores como Eça de Queiroz, Júlio Dinis, Mário de Sá-Carneiro, entre outros e teve sempre a ousadia de assumir a montagem e som dos seus filmes, o que só sublinha a sua dimensão de artista no mais amplo sentido do termo. É
figura excelsa para representar, em espírito e nome,
este prémio de homenagem aos grandes vultos criativos femininos do nosso universo,
que se estreia nesta 19ª edição do MOTELX.
O
ciclo “O Baile das Bruxas” abre a porta do
Quarto Perdido à bruxaria, à figura da feiticeira pagã e mulher insubmissa, aos cultos rurais, místicos e macabros por si erguidos — e, no limite, à especificidade das bruxas em Portugal. A secção centra-se então no
folk horror, o sub-género mais representado na nossa filmografia, e mostra
“O Crime de Aldeia Velha” (1964), de Manuel de Guimarães, a partir do caso verídico de uma jovem queimada viva nos anos 30 em Marco de Canaveses — conta com argumento de Bernardo Santareno que tinha publicado a peça com o mesmo nome em 1959;
“Finisterra”, série de Guilherme Branquinho e Leone Niel, produzida pela Take It Easy para a RTP, que se serve do caso verídico do
Baile do Vidigal, na zona de Aljezur, — um ritual de bruxas que acabou em sangue — como eixo narrativo; e ainda
“Alma Viva” (2022), de Cristèle Alves Meira, sobre uma criança que regressa à aldeia nas férias de Verão e um contexto rural onde as velhas bruxas resistem.
O
cinema português cimenta-se como
um dos grandes eixos de programação também nas longas-metragens em exibição.
Jorge Cramez — que conta já com várias passagens no MOTELX no que às curtas-metragens diz respeito — concretiza em
“Sombras” a sua
estreia na longa de terror, qual sossego do campo, um casal (Victoria Guerra e Pedro Lacerda) fica de tomar conta da filha do vizinho e uma série de bizarras peripécias nocturnas fá-los questionar toda a sua existência.
“A Pianista”, de Nuno Bernardo, que
também se estreia na longa de terror, é um thriller psicológico entre o luto, a tecnologia e os limites do “para sempre”: depois de morrer, o marido (Miguel Borges) de Ana (Teresa Tavares) regressa em versão clonada. Da Madeira directamente para a Sala de Culto: "
Crendices”. Esta produção 100% madeirense, dos
4Litro — o colectivo da Calheta que se tem notabilizado pelos seus sketches humorísticos e hits musicais regionalistas — estreia em Portugal Continental um filme com significativas doses de comédia, envolto em misticismo e ultra-superstição. No total, no que ao cinema nacional diz respeito, o festival exibe estas três longas, 22 curtas-metragens e cinco reposições.
Da esfera internacional chegam novidades de várias geografias e registos.
“The Ice Tower”, da francesa Lucile Hadžihalilović, que esteve recentemente em competição para o Urso de Ouro na Berlinale, sugere a rodagem de uma adaptação do clássico “A Rainha da Neve” com Marion Cotillard como protagonista. Dos Estados Unidos,
“Death of a Unicorn” é a
estreia de Alex Scharfman na realização, algures entre o humor cáustico e o camp dos anos 80, com Jenny Ortega num dos papéis principais. Também em
estreia na realização está o jornalista norte-americano
Mark Anthony Green: “Opus” estreou-se em Sundance e conta com Ayo Edebiri, John Malkovich e Juliette Lewis a abrilhantar o elenco, atira-nos para o retiro de uma superestrela pop que se configura como um culto sinistro e inescapável. “
Enterre Seus Mortos”, do brasileiro Marco Dutra, é uma fantasmagórica viagem por um Brasil rural, assolado pela iminência do apocalipse e a meio caminho entre o
western e o terror cósmico — Selton Mello, Marjorie Estiano e Betty Faria na interpretação. “
Pig that Survived Foot-and-Mouth Disease”, de Hur Bum-wook; “
The Surrender”, de Julia Max; da Tailândia, “
A Useful Ghost”, de Ratchapoom Boonbunchachoke, que estreou mundialmente na Semana da Crítica de Cannes, onde conquistou o Grande Prémio; e ainda “
Zero”, filme com produção repartida entre os EUA e o Senegal, do congolês Jean Luc Herbulot.
Para o
Prémio MOTELX - Melhor Curta de Terror Portuguesa temos 12 filmes em competição. “
Aqui em Aveiro”, Joaquim Pavão, “
Os Terríveis”, João Antunes, “
Arroio Negro”, de Lucas de Lima Silva, “
Alma” de Maurício Valentino Borges, “
O Compositor”, de Afonso Lucas e Rodrigo Motty, “
O Próximo Passo”, de Pedro Batalha, “
Beep”, Mauricio Valbuena, “
Anexado”, Jonas Costa, “
Parúsia” de Kim Lobo, “
Ilhoa”, de Magarida Saramago, “
Resut”, de Mafalda Jacob, “
Strangers”, de Carolina Afonso, disputam o maior prémio monetário em Portugal para curtas-metragens.
Já no
Prémio Méliès d’argent - Melhor Curta Europeia, destacam-se, para já, as nove produções portuguesas presentes na competição: “
Amarelo Banana”, de Alexandre Sousa, “
Antena”, de Duarte Pedroso de Lima, “
BeNice”, de Tiago ‘Ramon’ Santos, “
Borbulha”, de Fernando Alle, “
Cão Sozinho”, de Marta Reis Andrade, “
Gardunha”, de Ana Vilela da Costa, “
Grito”, de Luís Costa, “
Sequencial”, de Bruno Caetano e “
Yazza”, de Francisco Lacerda.
A 19.ª edição do MOTELX inaugura ainda a
nova secção Suite 13, um espaço que pretende aprofundar filmografias de alguma forma desacreditadas no seu tempo e que na actualidade se reciclam sob diferentes perspectivas e sob a lente dos nossos tempos: acelerados, extremados e enigmáticos. No seu primeiro ano, o foco da mesma vai para
Herschell Gordon Lewis, cineasta cuja alcunha “
Padrinho do Gore” logo deixa antever as possíveis metáforas para os Estados Unidos de hoje.
A guardiã do
cinema underground, experimental e de vanguarda no MOTELX, a SectionX, apresentou um dos seus destaques uma distopia em forma de trilogia. Do austríaco
Norbert Pfaffenbichler,
a saga “2551” desdobra-se em “
2551.01 — The Kid”, “
2551.02 — The Orgy of the Damned” e “
2551.03 — The End” e joga-nos, sem receios nem licença, para uma cinematografia completamente punk e grotesca. Numa espécie de ingenuidade macabra, bem
low-budget, seguimos no encalço de uma criatura meio homem, meio macaco, que não abdica da sua máscara. O realizador define o seu género como “
dystopic slapstick” e recorre invariavelmente ao humor negro e à violência depravada. Pelo caminho, sobretudo no primeiro “episódio”, pisca o olho a Charlie Chaplin, como o subtítulo “The Kid” logo sugere.
Regressa o
Prémio MOTELX - Melhor Guião de Terror Português, a competição de escrita para cinema mais arrepiante do país. A concurso, nesta terceira edição que volta a
premiar o vencedor final com 2000€, estão seis argumentos ainda à procura de produção: “Carneiro de Babel”, de Francisco Barbosa, “Era Uma Vez no Apocalipse”, de Tiago Pimentel e António Miguel Pereira, “O estripador de Lisboa”, de João Ruela Branco e Nuno Martini, “Quem Mata no Camarido? (Seis Betos e Meia)” de António Xavier Rodrigues, “Tarso”, de Stephane Oliveira e “Um Tipo de Ausência”, de Catarina Araújo.
No campo dos Eventos, o MOTELX 2025 tem mais boas-novas. O
Digital Film Festival dedica-se a conteúdos audiovisuais de formato digital e vai centrar-se em
três formatos principais: Short Movies and Mobile, Pilotos de Webséries e Videocasts. Promovido pela
Thumb Media, esta primeira edição da iniciativa
vai ocupar a Sala 2 do Cinema São Jorge durante os dias 10 e 11 de Setembro. À imagem do que já aconteceu no passado, o MOTELX volta a acolher um festival dentro do festival e a promover e incentivar a produção videográfica independente.
Mais novidades sobre a restante programação da 19.ª edição do MOTELX em breve.